Pandemia retoma tendência de descentralização de empresas em polos administrativos mais distantes dos grandes centros
Em meados dos anos 1960 os primeiros edifícios comerciais foram instalados na avenida Brigadeiro Faria Lima em São Paulo-SP que tornou-se o maior e mais importante centro financeiro do País. A região, localizada na Zona Oeste de São Paulo, é famosa por concentrar 1% do PIB do País, representados pelas maiores empresas do mercado financeiro, e os custos mais altos de aluguéis da capital paulista.
A pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19) diminuiu drasticamente o movimento da região, já que a maioria das empresas adotou o home office. Outro aprendizado provocado pela COVID-19 é a necessidade de repensar o modelo de urbanização atual, especialmente nos grandes centros urbanos, no qual o comércio e os serviços se concentram nas áreas centrais da cidade enquanto bairros residenciais e condomínios fechados se situam na periferia, causando o movimento pendular casa-trabalho , periferia-centro com longos deslocamentos e acelerando a disseminação do vírus.
XP Investimentos
No início de julho deste ano, a XP Investimentos anunciou a saída do centro financeiro paulistano e a criação da Villa XP, que será construída em uma área de 500 mil metros quadrados no Parque Catarina, localizado no quilômetro 60 da Rodovia Castelo Branco, em São Roque, no interior de São Paulo. A empresa disponibilizou um e-book* sobre a nova proposta.
O terreno fica no mesmo complexo em que se encontra o Catarina Fashion Outlet e o São Paulo Catarina Aeroporto Executivo, além de contar com um espaço de preservação ambiental de mais de 1,7 milhão de metros quadrados, que será integrada ao desenvolvimento da Villa XP.
Entre as mudanças está a intenção de adotar o trabalho remoto permanente e todo o complexo foi projetado seguindo padrões eco eficientes, utilizando 100% de energia renovável e tecnologias de reaproveitamento de água e uso de materiais sustentáveis. Ainda segundo o texto divulgado pela empresa, o espaço poderia contar também com sala de cinema 4D, anfiteatro, complexo esportivo, heliponto, berçário, bibliotecas, hotel, salas de reunião e treinamento, além de diversos espaços criados para estimular a convivência entre as pessoas (funcionários, clientes etc.).
Foto: Reprodução/XP
O anúncio movimentou o mercado e retomou a discussão relacionada a saída de empresas de grandes centros financeiros das metrópoles para polos administrativos no interior ou bairros afastados.
O início
Embora possamos observar diferenças claras de planejamento, momento histórico e necessidades, podemos afirmar que a criação de grandes complexos com serviços e moradia disponíveis para os funcionários começou em 1953, quando o Banco Bradesco criou, na cidade de Osasco-SP, em uma área de 215 mil m², o polo “Cidade de Deus”, em referência à obra literária de Santo Agostinho. O complexo conta com área residencial, museu e a Fundação Bradesco que, nas últimas cinco décadas, formou milhares de alunos*.
Outro exemplo importante é o Centro Empresarial Itaú Conceição. Concluído em 1990, este conjunto tem origem em uma operação urbana conduzida pela Emurb (Empresa Municipal de Urbanização), por ocasião da construção do metrô, permitindo alto coeficiente de aproveitamento do terreno, criando a possibilidade da construção de áreas empresariais e comerciais num bairro até então predominantemente residencial horizontal. Sua escala gerou um impacto urbano somado à estação do metrô Conceição e o aeroporto de Congonhas, que transformou o seu entorno num vetor imobiliário da cidade de São Paulo.
O conjunto foi implantado de forma a promover a integração entre os espaços públicos e privados, permitindo livre circulação de pedestres entre as áreas residenciais e comerciais, a estação de metrô, os terminais de ônibus e o parque público Conceição. A sede do Itaú, que fica no Jabaquara, em São Paulo, possui 210 mil metros de área construída, distribuídos entre cinco torres. Os prédios abrigam cerca de 10 mil funcionários.
Alphaville
Também podemos citar como exemplo importante desse movimento, o bairro de Alphaville. Concebido para ser uma área residencial o bairro acabou tendo como âncora de desenvolvimento as empresas. Em 1973 os engenheiros Yojiro Takaoka e Renato de Albuquerque compraram um terreno em Barueri-SP onde planejavam construir um loteamento de casas, porém, tiveram o projeto vetado pelo prefeito da época, Gugliemo Gugliemi, que pretendia trazer indústrias para o local*.
Foi então que eles decidiram criar o primeiro centro industrial e empresarial do Brasil para indústrias não poluentes, com infraestrutura e regras claras de ocupação do solo. O bairro é internacionalmente conhecido por seus residenciais, pela quantidade de empresas, tanto ligadas à indústria (como Tramontina, IFF, Wallmart, Atlas Copco e HP), quanto ao setor de serviços, (mais de mil empresas instaladas apenas no Centro Comercial de Alphaville). Empresas estas, atraídas pela carga tributária praticada pelo município, historicamente, mais baixa do que a média nacional.
Hoje, o bairro possui toda a infraestrutura dos grandes centros, tais como: agências bancárias, lotéricas, supermercados, academias, cinemas, clínicas estéticas, entre outras muitas opções.
Novas centralidades
Com o passar do tempo esses modelos têm sido aprimorados e melhor projetados a partir do momento em que observamos a necessidade de descentralização, principalmente nas grandes cidades e megalópoles como São Paulo.
Agora, as cidades tendem a ter várias centralidades minimizando a questão do trânsito, deslocamentos e da grande concentração de pessoas. No caso de São Paulo essa mudança se torna mais fácil, uma vez que a megalópole tem próximo dela outros eixos importantes de desenvolvimento como Campinas e Sorocaba que são bem providos de infraestrutura, comércio serviços e transportes.
Nos movimentos anteriores de descentralização e criação de novos polos, como no caso Bradesco, por exemplo, não existia ainda a preocupação com a criação de novas centralidades equilibradas, estas foram surgindo por demanda. Após um processo de 20 a 30 anos, orgânico, em que a malha urbana das grandes metrópoles se modifica, as áreas vizinhas passam a oferecer serviços em volta dessa centralidade, com mais equilíbrio.
Portanto, podemos concluir que, embora esse movimento não seja tão novo no Brasil, ele foi se aprimorando com o passar do tempo. Além disso, a pandemia irá acelerar e retomar essa descentralização priorizando o surgimento de novas centralidades equilibradas. Com a chegada do coronavírus, ficou óbvio para todos os cidadãos de todas faixas de renda, culturais e etárias, que é preciso ter perto de casa o necessário para trabalhar, viver e se divertir.
Paulo Takito, sócio diretor da Urban Systems
Conteúdo publicado no portal da Revista Buildings
Fontes:
Pingback: CSC DX 2020: impacto da COVID-19 no planejamento urbano - Urban Systems - Blog
Pingback: Consolidação do home office deve mudar desenho das cidades - Urban Systems - Blog