Plano Diretor: do desenvolvimento à função social

Conforme estabelece o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, sendo o instrumento básico da política de desenvolvimento da expansão urbana.

O Plano Diretor é um importante instrumento norteador do crescimento urbano de um município e, como abordado anteriormente no blog, o Plano Diretor da capital paulista, instituído em 2014, foi um grande catalisador de lançamentos de imóveis compactos nos eixos providos de infraestrutura urbana de transporte de alta capacidade.

O Estatuto da Cidade, instituído pela lei nº 10.257 de julho de 2001, “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.” Por assim dizer, conforme versa a lei, a política urbana tem por finalidade ordenar e promover o desenvolvimento das funções sociais da cidade. Tão logo, como traz o material explicativo elaborado pelo Senado Federal, o princípio da função social da cidade e da propriedade urbana, introduzido pelo Plano Diretor, tem como finalidade promover a justiça social a partir da paridade entre os interesses públicos e privados dentro do território urbano.

Conforme sinaliza a lei, em seu Art. 41., o Plano Diretor é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em locais onde o Poder Público municipal tem pretensão de utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal (parcelamento ou edificação compulsória, imposto sobre a propriedade predial e territorial progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública), integrantes de áreas de interesse turístico, inseridas em áreas de influência com impacto ambiental em escala regional ou nacional e cidades inseridas no cadastro nacional de suscetibilidade à ocorrência de deslizamentos.

Como podemos vislumbrar na imagem abaixo, do ITPD Brasil, o marco regulatório articula diversas esferas, perpassando pela Constituição Federal até a escala local, a partir do Plano Diretor. É interessante ressaltar, também, que a depender do porte da cidade a legislação prevê, em seu Art. 41 § 2º, a elaboração de um plano de transporte urbano integrado.

Fonte: ITDP Brasil. Guia de Implementação de Políticas e Projetos de DOTS (2017).

O caso da capital paulista

A revisão do Plano Diretor da capital paulista, iniciada em 2021, tem gerado muito debate na grande mídia nas últimas semanas. Isso porque a atual revisão é considerada, por especialistas e boa parte da opinião pública, como um retrocesso em relação à anterior, aprovada em 2014.

Tido por muitos como um marco progressista no planejamento urbano de São Paulo – o que lhe conferiu, inclusive, uma premiação na ONU – o Plano Diretor Estratégico de 2014, conforme reiterou o veículo G1 à época, trouxe ao debate questões relevantes acerca do adensamento populacional, zona de interesse social, mobilidade, vagas de garagem, restrição à altura dos edifícios, fachada ativa, déficit habitacional e desenvolvimento econômico.

Entre os pontos de destaque do documento, no que se refere à mobilidade, o uso do automóvel particular foi desestimulado com a finalidade de promover os meios de transporte coletivo. A se somar a esse fator, o plano previa integração do transporte coletivo com meios não motorizados a partir do incentivo ao uso de bicicletas nas ciclovias, por exemplo. Outro ponto chave nesse sentido foi a limitação de vagas de garagem. Com a lei que passou a vigorar em 2014 as vagas de garagem passaram a ser limitadas nas adjacências dos corredores urbanos.

A problemática da habitação adquiriu protagonismo a partir da delimitação de novas Zonas de Interesse Social na região central do município, restrição à altura de prédios, retrofit destinado à moradia popular e aumento do IPTU de imóveis desocupados próximos às zonas destinadas a moradias populares e nos eixos de mobilidade.

Em relação ao desenvolvimento econômico, ainda, o plano delimitou polos estratégicos de desenvolvimento econômico em localidades adensadas, mas com baixo índice de empregos. A partir dessa estratégia, os polos Leste, Sul, Noroeste e Fernão Dias passaram a ser polos estratégicos para implantação de atividades econômicas e, deste modo, alavancar o índice de empregos em áreas de grande concentração populacional.

Não adentrando no mérito da questão dos desdobramentos da política urbana propostos no plano anterior, uma vez que o viés deste texto é de cunho mais informativo e esta temática por si só demanda um texto à parte – que será inclusive abordada no blog –, convém fazer um contraponto sobre os eixos temáticos que permeiam a construção do novo plano diretor que têm sido fortemente criticados pela sociedade civil.

Também de acordo com o G1, o substitutivo, que teve o seu texto aprovado na Câmara Municipal no dia 26 de junho, tem como ponto chave o maior adensamento populacional. Entretanto, como podemos visualizar no mapa abaixo, o coeficiente de aproveitamento foi ampliado em áreas em que a oferta e cobertura de modais de transporte público é mais limitada. Já nos eixos de transporte também se deram significativas alterações nos perímetros adensáveis, uma vez que se configura, agora, a possibilidade de ampliar o perímetro para 700 metros em eixos existentes e previstos no entorno das estações de metrô e para 450 metros nas adjacências dos corredores de ônibus.

Coeficientes de aproveitamento máximos propostos pelo Substitutivo do PDE 2014 de São Paulo

Fonte: LabCidade FAU, USP.

Segundo especialistas, as alterações, de um modo geral, estimulam a verticalização na cidade como um todo, o que também levantou críticas à nova revisão. Outra crítica citada em matéria recente do portal Uol* é que o novo plano também acaba por incentivar o uso do automóvel particular, indo na contramão do estímulo ao uso do transporte público e acentuando o congestionamento nas grandes vias de circulação – que já se mostra um problema crônico na capital.

Como também pontua a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, que recentemente deu entrevista ao veículo Carta Capital*, o novo plano além de proporcionar um esvaziamento das Zonas Especiais de Interesse Social, destinadas à moradia da população em situação de vulnerabilidade, previa uma flexibilização no uso dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano de São Paulo (Fundurb).

Além disso, o texto traz novas regras no que tange ao número de vagas de garagem no entorno dos corredores de ônibus e das estações de metrô. A primeira versão do texto de revisão permitia que os apartamentos a partir de 30 m² tivessem uma vaga de garagem sem que essa metragem fosse computada na área construída. Após a medida ser duramente rechaçada, na versão aprovada, passam a ter direito a uma vaga não computável as unidades de apartamento que tenham, no mínimo, 60 m². Todavia, convém frisar que este tema ainda se encontra em discussão.

O poder público, por outro lado, defende as mudanças como promotoras do desenvolvimento econômico da metrópole e após receber críticas dos especialistas revisitou alguns pontos. A minuta que dispõe sobre a revisão intermediária do Plano Diretor Estratégico do município de São Paulo pode ser lida na íntegra na página da Câmara Municipal.

É interessante notar, afinal, que discussões como essas colocam em voga temáticas acerca do planejamento urbano, trazendo para o debate público a relevância de se construir um Plano Diretor democrático e participativo.

Cascavel 2050

Muito embora não se trate especificamente da construção de um Plano Diretor, recentemente a Urban Systems realizou o diagnóstico Cascavel 2050 que visa, a partir de ações do âmbito público e privado, fomentar o crescimento sustentável da cidade. Saiba mais sobre Cascavel 2050, aqui!

A Urban Systems foi contratada pelo Codesc (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Sustentável de Cascavel) que representa mais de 65 entidades do município que contribuem voluntariamente com o desenvolvimento da cidade. Para a elaboração do Plano Cascavel 2050, a Urban Systems avaliou a situação atual do município, analisando e mapeando estratégias e planos já em desenvolvimento ou planejados pelo governo atual e anteriores.

Como já citamos em outros textos do blog, o diagnóstico é fundamental para entender em que ponto a cidade está, quais são os seus pontos fortes/vocações, bem como segmentos que necessitam de maior atenção. Ele consiste em realizar uma radiografia completa de todos os eixos estratégicos da cidade, buscando compreender suas principais forças e pontos de melhoria.

Fonte: Urban Systems, 2023.

Após a conclusão do diagnóstico e mapeamento dos gargalos da cidade, foi elaborado um plano estratégico focado em dois pontos específicos: o econômico e o urbano. Como o nome diz, é um plano de grande aprofundamento da dinâmica do município, apresentando estratégias para atrair investimentos e direcionar as ações de políticas públicas. O plano em questão, por sua vez, foi seguido de um Plano de Ação, com soluções para as iniciativas mapeadas e distribuídas ao longo dos anos. Assim como o Plano Diretor, esse planejamento dá um norte aos gestores públicos sobre como trabalhar o desenvolvimento sustentável da cidade, independente do ciclo político de 4 anos.

Diante do exposto, concluímos que devemos cada vez mais lançar luz sobre a cidade, entendendo como as estamos produzindo e para quem. A Urban Systems monitora constantemente as questões regulatórias e de legislação. Está na dúvida de como conceber um planejamento sustentável para sua cidade a longo prazo? Fale conosco!

Conheça o material institucional da Urban Systems com soluções e exemplos de Planos Estratégico de Desenvolvimento Econômico e Urbano de Cidades aqui.

Conteúdo elaborado por Maria Carolinie Cada Cardoso, Analista em Inteligência de Mercado e Planejamento Urbano da Urban Systems

*Fontes:

Carta Capital

Estatuto da Cidade

G1

ITPD Brasil

LabCidade FAU, USP.

Prefeitura Municipal de São Paulo

Senado Federal

Uol

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