A busca por mais qualidade de vida em cidades do interior proporcionando uma migração das grandes cidades como legado pós pandemia
A tecnologia, boa localização, oferta de serviços e contato com a natureza também estimulam a busca ou mudança para pequenas e médias cidades
Desde o começo da pandemia de COVID-19, em março de 2020, a vida nas cidades mudou completamente. Além das mudanças no perfil do consumo, nas necessidades das pessoas, algo muito marcante foi a adaptação nos ambientes de trabalho. A limitação repentina nos deslocamentos para escritórios, comércios e atendimentos de diversos serviços, motivada pelo isolamento e distanciamento necessários para restringir a circulação do vírus, transferiu o ambiente de trabalho para os lares, levando à prática do home office a patamares ainda não experimentados.
Algumas famílias mais abastadas, com receio de contrair o vírus por diversos motivos, optaram pelo isolamento em sítios, chácaras e ranchos em municípios com uma menor quantidade de habitantes, como já citado em textos anteriores neste blog, em muitos casos, transformando a segunda moradia em primeira.
Passados três anos do início da pandemia, com a efetividade e o avanço da vacinação, temos uma retomada da circulação e normalidade semelhante a 2019, com a diferença que o trabalho remoto e híbrido permanece presente nas relações de trabalho. As empresas mantêm seus escritórios em São Paulo, a maioria de seus funcionários também permanecem na maior cidade do país, mas aumentaram os casos de colaboradores que residem em outros municípios, não apenas da região metropolitana, mas do interior do estado.
Em matéria da revista TRIP¹, de julho de 2021, os dados da ZAP Imóveis identificaram que a procura por imóveis a mais de 100 quilômetros de distância da cidade de São Paulo cresceu aproximadamente 340% entre janeiro e maio de 2020. Enfatizou ainda que o mesmo fenômeno foi percebido em outros centros urbanos do mundo, destacando que Londres perdeu em média 700 mil moradores no mesmo ciclo analisado.
Esse movimento de êxodo urbano, como algumas pesquisas, estudos e matérias preferem chamar, é restrito às pessoas que têm a possibilidade de trabalhar em home office. Ou seja, para além das buscas de imóveis por residentes empregados em empresas instaladas no município ou por pessoas que buscam uma segunda residência, algumas cidades do interior de São Paulo expandiram sua vocação para moradias definitivas de funcionários de empresas que mantém escritórios na capital.
Avanço da tecnologia
Segundo a coluna Summit Mobilidade, do jornal Estado de São Paulo², uma pesquisa do portal americano OfficeVibes apontou que as tecnologias e a implementação de soluções de trabalho remoto em poucos meses, ainda no início da pandemia, foram equivalentes ao desenvolvimento esperado de uma década.
Para se ter um parâmetro sobre o avanço das tecnologias de comunicação e conectividade, essenciais para a realização de trabalho remoto e a escolha do novo local de moradia, a União Internacional de Telecomunicações (UIT)³, em parceria com a Project Connect, elaborou um mapa com os dados abertos da cobertura de fibra óptica no país, e revela uma excelente rota de fibra entre os municípios de Campinas, Jundiaí, Sorocaba e São José dos Campos.
Figura 1 – Entre os principais municípios do interior a 100 km da capital tem ampla cobertura de fibra óptica. (Fonte: UIT)
A plataforma francesa nPerf4, que realiza testes de conexões e abrangência de redes de cobertura, indica que os principais municípios a 100 km da cidade de São Paulo contam com conexão 5G, tecnologia recém aportada no país.
Figura 2 – Campinas, Jundiaí, Sorocaba e São José dos Campos dentro da rede de cobertura 5G. (Fonte: nPerf)
Um estudo da agência Apoema, apresentado no programa Conexão Globo News5, sobre o perfil de quem fez ou deseja realizar essas mudanças indica que 75,6% dos entrevistados têm dificuldade em equilibrar mente e qualidade de vida nas metrópoles, além de 75,1% revelarem sentir falta da natureza no dia a dia. A mesma pesquisa apontou que 40,3% daqueles que ainda não se mudaram, não o fizeram em função da distância de amigos e familiares.
Acessibilidade e transportes
Outro fator essencial ao escolher um município para residir ao sair da metrópole é justamente ter vias de deslocamento para a capital, pela necessidade de ir aos escritórios quando requisitado, além de manter os vínculos familiares e de amizade. Atualmente, as rodovias que ligam o interior do estado com a cidade de São Paulo atendem todos os requisitos de uma boa via de tráfego de grande circulação: quantidade de faixas de rodagem, largura das faixas, manutenção, sinalização, limites de velocidade e segurança.
Dentre as principais rodovias, podemos destacar o sistema Anhanguera-Bandeirantes, que liga Campinas e Jundiaí à capital, Via Dutra, que liga com São José dos Campos e cidades do Vale do Paraíba com São Paulo, e a Rod. Castelo Branco, que dá acesso de Sorocaba à metrópole paulistana.
Figura 3 – Principais rodovias que ligam o interior à capital São Paulo. (Elaboração: Urban Systems)
Além deste abundante acesso rodoviário, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM) também divulgou um projeto para viabilizar o Trem Intercidades (TIC), que ligará São Paulo a Campinas por trem de passageiros. Em setembro de 2022, o então governador do estado de São Paulo, Rodrigo Garcia, anunciou um acordo com a Rumo, concessionária de transportes ferroviários, para realizar uma licitação do Trem Intercidades. Este projeto está em andamento pela nova gestão do atual governador Tarcísio de Freitas que promete realizar a licitação até junho de 2023. Em um evento com empresários, também revelou que após o TIC Campinas, pretende licitar o TIC Sorocaba6.
Figura 4 – Projeto do Trem Intercidades de São Paulo até Campinas. (Fonte: Secretaria dos Transportes Metropolitanos)
Obras de infraestruturas de transporte e tecnologia, somadas a cada vez mais ofertas de diversas tipologias imobiliárias serão essenciais para uma região que continuará crescendo demograficamente, segundo estimativas da ONU para 2035.
Figura 5 – Núcleo populacional crescente entre São Paulo, Campinas e Baixada Santista. (Fonte: ONU, World Urbanization Prospects, 2018)
Em Campinas, um levantamento do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, apontou crescimento de até 35% na busca pela compra de imóveis na região7. Em janeiro de 2023, o preço do aluguel residencial em Campinas (SP) aumentou três vezes mais que a inflação de 2022, segundo levantamento divulgado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), atingindo percentual de 19,6% de crescimento.
Segundo matéria do G18, o crescimento em Campinas bateu a média nacional, de 16,55%, que já havia sido a maior alta em 11 anos. O aumento na cidade supera o da capital do estado, que fechou em 14,63%. De acordo com corretores de Campinas, os motivos para o aumento foram o aquecimento do mercado de trabalho, valorização imobiliária, a alta procura por imóveis após o período mais agudo da pandemia, e o acúmulo da inflação.
Agora, resta saber se a tendência seguirá em crescimento ou se estabilizará. Contudo, essa condição de migração para o interior ainda se restringe a uma parcela limitada da população, que tem a possibilidade de realizar trabalho remoto e adquirir ou locar imóveis em outros municípios do interior.
Conteúdo elaborado por José Donato da Silva, Analista de Inteligência de Mercado da Urban Systems
*Fontes: