O mercado do consumo de vivências e experiências

Essa nova era de consumo impacta diretamente o mercado imobiliário trazendo a necessidade de reformulação de novos produtos em diversos setores

A cidade é um organismo vivo. Não é só um conjunto de edificações, mas sim um espaço de acontecimentos: idas, vindas e encontros. O modo de vida digital, que foi ainda mais acelerado pela pandemia da COVID-19 nos últimos dois anos, tornou a percepção e a vivência um desejo insaciável. A partir da criação de espaços qualificados não vendáveis, é possível obter ótimos resultados nos espaços comercializáveis.

Rem Koolhaas, teórico, arquiteto e urbanista, analisa o fenômeno do shopping center no ensaio “Junkspace”, discorrendo sobre a nova globalização do consumo: o crescente consumo material em paralelo à cultura contemporânea da sociedade efêmera, veloz e, consequentemente descartável, implica na psique da comunidade e na doutrina do consumo e do prazer. Em tal sociedade, Koolhaas exemplifica o shopping center, que no formato “caixa fechada” o qual estamos acostumados, cria um microcosmos que independe do bairro no qual se insere, que se afasta da experiência individual do bairro e do espaço público por ele oferecido.

Tal teoria, apresentada em 2001, tem, hoje, pontos realmente validados. Os shoppings centers no formato convencional têm buscado revitalizar seus espaços e observa-se a chegada de novos formatos de comércio. Mas o que é apresentado como destaque nesta análise é o comportamento do consumidor da atualidade, que abre a possibilidade de aplicar-se novas estratégias urbanísticas e arquitetônicas também em outros produtos imobiliários.

Consumo de vivências

A globalização trouxe para a atualidade e o universo online a maior necessidade do indivíduo em consumir cultura, lazer, ou, como estamos podendo observar, o consumo de experiências “instagramáveis”. Fredric Jameson afirma que o consumo depende da continuidade e que ressurge de novas formas: antes, consumia-se bens materiais e, hoje, consome-se vivências. A mudança no perfil do consumo e na maneira de viver, morar e trabalhar das pessoas, criou uma necessidade de novos e diferentes espaços, uma nova dinâmica dentro da cidade mental dos indivíduos. Essa demanda pelo consumo de vivências se tornou infinita e, agora, nota-se uma retomada do espaço aberto como local de convivência, experiência de percurso e ponto de encontro.

Dentro do espaço público, há o destaque para a experiência do percurso. Esse passeio no qual o usuário se depara a cada passo com uma nova surpresa, alimenta seu interesse incansável pelo entretenimento. Entretanto, estes passeios estão não só em praças e ruas públicas, mas também no espaço privado.

Exemplo do comércio: novos formatos

Ainda sobre os produtos comerciais, como exemplo, observa-se que esta necessidade por um consumo de experiências traz ao mercado atual novas configurações, como a ascendência dos strip malls ou a busca de revitalizações dos antigos shoppings para trazer nos seus percursos internos uma atmosfera enriquecida pela arquitetura e paisagismo, que ofereça um caminhar mais rico e agradável entre suas lojas.

Os strip malls oferecem um molde diferente que atende essa demanda. A principal diferença comportamental destes para os shoppings tradicionais, é a interação com o público, a possibilidade de convivência aliada à conveniência. Outra questão importante, ainda intensificada com a pandemia, é a retomada da utilização dos espaços abertos. É um modelo reduzido do tradicional outlet, viabilizando esse conceito para as cidades, pois diferente dos tradicionais outlets, que se mantêm nas áreas afastadas da cidade, situados muitas vezes em rodovias, o strip mall se encontra presente dentro das cidades.

Apesar da chegada dos novos modelos de comércio, os shoppings centers convencionais continuam a ser demandados, mas, agora, com arquiteturas que trabalhem com o novo comportamento do usuário. Até o momento, ambos os modelos possuem aderência com o público das cidades brasileiras, um por ser âncora de desenvolvimento, um destino em meio a cidade, pela quantidade de operações existentes, enquanto o outro, pelo seu porte e modelo, registra crescimento intenso, se pulverizando entre as cidades brasileiras, em diferentes formas de se inserirem na lógica urbana das cidades.

Pertencimento à cidade

Além do produto comercial exemplificado, a experiência urbana é desejada também em outros produtos imobiliários. O conceito de caminhabilidade aplicado ao desenvolvimento imobiliário torna a experiência única e inesquecível, podendo tornar um percurso, em um destino turístico por exemplo, como é o caso dos bulevares. O espaço aberto que traz um apelo às características locais, históricas ou novos conceitos e novas situações promove ótimos resultados na atratividade e consequentemente aumento da demanda e valor.

Esse conceito pode ser aplicado em diversos produtos imobiliários, desde prédios com fachadas ativas, bairros planejados com espaços de uso comum, ruas para trânsito de pedestres, bulevares gastronômicos, hotéis com instalações interativas, entre outros. O que é determinante para a boa utilização do espaço é o planejamento e entendimento das necessidades e características daquele determinado local.

Por meio de estudos de demanda e vocação imobiliária, a exemplo dos realizados pela Urban Systems, é possível utilizar melhor os espaços disponíveis nas cidades. Também é necessário analisar a cidade e o seu entorno, para que esses novos espaços estejam adequadamente inseridos no espaço urbano, trazendo melhor qualidade de vida e novas centralidades que evitem grandes deslocamentos das pessoas.

Conteúdo elaborado por Karina Chaguri, Analista de Planejamento Urbano da Urban Systems.

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