Políticas de Land Value Capture como ferramenta para distribuir a riqueza gerada por investimentos públicos

Gestores públicos, especialistas e empresários falam sobre como utilizar a captura do valor da terra para investir em infraestrutura nas cidades

A sexta edição do Connected Smart Cities e Mobility (CSCM) realizado pela Necta e Urban Systems inovou trazendo um formato inédito para este tipo de evento: DX (Digital Xperience). Foram painéis de discussão, grupos de networking, rodadas de negócios e até stands em ambiente totalmente digital. Além disso, unindo diversos atores responsáveis pelo desenvolvimento das cidades a Urban Systems preparou agendas estratégicas específicas nas áreas de smart cities (saiba mais sobre os painéis de Bairros PlanejadosMercado Imobiliário e Planejamento Urbano) e mobilidade.

Este ano, a Urban Systems trouxe para o Connected Smart Mobility discussões inéditas que integram a mobilidade e o planejamento urbano, com a realização de 2 painéis no segundo dia de discussões e último do evento, a partir das 9 horas da manhã do dia 10 de setembro. Ambos painéis foram moderados por André Cruz, sócio e diretor de Planejamento Urbano da Urban Systems, depois de debater as tendências de TOD (Transit Oriented Development) – Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (Leia sobre esse painel aqui), o debate se voltou para as políticas de Land Value Capture -LVC ou Captura do Valor da Terra, em tradução livre, que é um instrumento importante para ajudar as cidades brasileiras a gerarem receita própria e diminuírem a dependência de recursos externos (estaduais ou federais).

André Cruz debateu o tema com: Taís Fonseca, Especialista em Transporte Urbano do World Bank; Camila Maleronka, Consultora Independente; Águeda Muniz, Secretária Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza da Prefeitura de Fortaleza e de Gustavo Partezani, Fundador da URBR Estratégicas Urbanas.

Gerência de Negócios Urbanos em Fortaleza

A dinâmica começou com Águeda Muniz, Secretária Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente da Prefeitura de Fortaleza (CE) trazendo experiências do poder público da sua cidade na utilização do principal ativo de uma cidade segundo ela: o solo urbano. “Há praticamente 8 anos iniciamos uma gestão baseada na valorização do solo urbano, criando a Gerência de Negócios Urbanos para que o uso desse solo possa voltar para a cidade por meio de investimentos públicos, trazendo transformações urbanísticas, ambientais e sociais”, comentou.

Águeda afirmou que a criação da Gerência de Negócios Urbanos permite a implementação e o monitoramento dos instrumentos urbanísticos disponíveis no Estatuto da Cidade, em especial as operações urbanas consorciadas as outorgas onerosas. “Também realizamos estudos de mercado para orientar o desenvolvimento de novos negócios na cidade, o que resulta em um Painel de Negócios Urbanos, tanto para ajudar nossos cidadãos a iniciarem novos negócios quanto aqueles que desejam investir”, disse.

De acordo com Águeda, desde 2013, o total de investimentos pagos em contrapartida às Operações Urbanas Consorciadas (OUC) levaram aos cofres públicos R$ 55 milhões, transformando Fortaleza na cidade com maior número de OUC em andamento do Brasil. “Nossas operações urbanas são pequenas, desburocratizadas, com formato simples de convênio para o empreendedor interessado. No entanto, os resultados são bastante importantes para a população, com muitos ganhos em infraestrutura e revitalização de diversas áreas permitindo que a população as ocupe e aproveite”, explicou.

Em 2018, a Prefeitura de Fortaleza finalizou um estudo decorrente de Concorrência Pública Internacional que identificou 15 novas oportunidades de OUC, sendo 6 prioritárias. “Essas oportunidades seguem o interesse público e privado. Público no sentido de melhoria nas áreas, mobilidade e socioambiental e privado no sentido de rentabilidade e grau de efetivação do negócio”. Já as Outorgas Onerosas de Alteração de uso renderam à Prefeitura em contrapartidas mais de R$ 67 milhões entre 2013 e 2020. A previsão é de que, até 2024, serão mais de R$ 112 milhões em economia para os cofres públicos.

LVC: alguns conceitos

A Consultora Independente de Urbanismo Camila Maleronka, iniciou a apresentação focando em alguns conceitos de LVC. “Temos duas principais fontes de valorização da terra: regulação urbanística e obras públicas. É preciso levar em consideração o vínculo entre a captura do valor da terra e o adensamento. Locais com densidades mais altas são viabilizadas pela capacidade de suporte de infraestrutura, ou seja, investimento público acumulado”, disse.

Outro ponto importante é que o LVC está apoiado em um conceito universal de vedação do enriquecimento sem justa causa. “Ou seja, quem promove a valorização da terra é o poder público, portanto o resultado dessa valorização deve ser devolvido ao poder público, à população, não ao proprietário da terra. Isso deve retornar para o coletivo”, explicou.

Camila destacou também os principais instrumentos de LVC e como eles podem se completar: Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC), definido pelo Estatuto da cidade, e as Operações Urbanas (OUC), para implementação de projetos urbanos partindo de convênios. “No caso da OODC são áreas adensáveis, normalmente centrais, que contam com infraestrutura e investimentos acumulados. Já no caso das OUC são áreas adensáveis que precisam de investimento em infraestrutura para que sejam adensadas, como por exemplo áreas industriais que passam por processos de reconversão de usos ou expansão urbana”, comentou.

O Plano Diretor foi citado por Camila como instrumento de coordenação dos processos de LVC. “A estratégia de cada operação urbana deve fazer sentido com o contexto da cidade”.

LVC como instrumento de planejamento

O Fundador da URBR Estratégias Urbanas , Gustavo Partezani, destacou o LVC como instrumento de planejamento. “Tive a oportunidade de participar da elaboração do Plano Diretor da cidade de São Paulo (SP), em 2013/2014, onde foram estipulados novos critérios de outorga onerosa e operações urbanas. Desde então diversos dados têm sido coletados e monitorados o que é muito importante no processo de planejamento urbano na perspectiva de uma cidade inteligente que adequadamente entende seu território e suas transformação. Os dados fornecem assertividade na tomada das decisões e orientam caso exista a necessidade de correções”, comentou.

Como exemplo, Partezani citou o Sistema de Monitoramento utilizado na cidade de São Paulo (SP) e a análise dos dados que mostram a evolução da arrecadação via outorga onerosa. “Nos últimos três anos a arrecadação evoluiu muito em São Paulo, de R$ 210 milhões em 2017 para R$ 492 milhões em 2019. Importante lembrar que a outorga não é instrumento de arrecadação, mas de planejamento e controle das demandas e ofertas de crescimento das cidades para a transformação do seu território associada à sua infraestrutura e urbanização”.

Partezani também demonstrou que, embora o valor da arrecadação esteja subindo o potencial construtivo vem caindo. De 383.056 m² em 2016 para 200.177 m² em 2018. “O uso do potencial cai, mas se usa potencial em áreas mais caras, trazendo mais recursos para investimento em infraestrutura na cidade”, explicou.

Processo de valorização do solo

Para Taís Fonseca, Especialista em Transporte Urbano da World Bank, é importante destacar o processo de valorização do solo e duas questões fundamentais para o planejamento: o transporte e a gestão da captura da valorização do uso do solo. “A ampliação do transporte público em áreas menos acessíveis tende a mitigar os principais gargalos que a população enfrenta para o desenvolvimento das suas atividades diárias. Portanto, quando há melhorias no transporte público este se torna um vetor do desenvolvimento econômico tendo em vista a acessibilidade às oportunidades que ele proporciona, gerando também a valorização do solo”.

No entanto, Taís ressalta que essa valorização do solo decorrente da implementação do transporte pode se tornar um vetor para aumentar desigualdades sociais já existentes por promover deslocamentos das classes mais vulneráveis para áreas menos acessíveis da cidade. “Por isso é muito importante a gestão da valorização justamente para evitar processos de deslocamentos involuntários”, disse.

A relação entre transporte e valorização do solo, segundo Taís, está diretamente ligada a acessibilidade e à localização de serviços que promovam adensamento. “Obras públicas e melhorias no transporte habilitam as áreas para diversificação de usos e adensamento. Porém, para que essa valorização seja efetiva e determinante para a melhoria na qualidade de vida é preciso olhar caso a caso, cada projeto e cada cidade”. Taís continuou destacando a importância da gestão da valorização imobiliária. “A valorização imobiliária quando não é gerida traz problemas estruturais e diversos riscos, como expulsão de população de baixa renda e atores que poderiam trabalhar para o desenvolvimento. A gestão preconiza que esses mecanismos de valorização do solo junto com uma regulação urbanística fortalecida e planejamento”, completou.

Ela finalizou dizendo que a arrecadação com LVC não tem o fim em si mesma. “Trata-se de uma ferramenta para a valorização das diretrizes do planejamento urbano. Tais diretrizes, devem viabilizar reduzir as desigualdades sócio territoriais e propiciar a todos os seus habitantes o direito a uma cidade social, econômica e ambientalmente sustentável”.

O painel aconteceu ao vivo e contou com apresentações e debates entre os participantes, clique aqui para acessar o painel.

Planejando a cidade

André Cruz, Sócio e Diretor de Planejamento Urbano da Urban Systems, lembrou que a empresa já trabalhou em projetos com diversos palestrantes do painel e como as apresentações vão de encontro ao trabalho já desenvolvidos pela Urban Systems. “Para mim está muito claro a questão de planejar a cidade e o uso do LVC como um instrumento de planejamento urbano, não apenas arrecadatório. A gestão também se mostrou muito importante, com utilização de estudos de mercado, gestão da informação e sobre oferta imobiliária”, disse.

Quer saber mais sobre LVC? Acesse os textos onde apresentamos um pouco mais sobre esse assunto: Planejamento de Land Value Capture (LVC) e Planos Públicos de Valorização para Land Value Capture.

Conteúdo elaborado pela, Redação Urban Systems

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