Retomada do transporte coletivo nas cidades brasileiras

Depois dos visíveis impactos da pandemia no transporte de massa e, consequentemente, no comércio adjacente, o setor ensaia uma volta no ‘novo normal’

Por diversas vezes abordamos no blog os impactos da pandemia da COVID-19 nos mais diversos setores, as mudanças na vida e hábitos das pessoas, transformações na cidade, bem como perspectivas de retomada. Um dos setores mais afetados pela pandemia foi o do transporte público e, consequentemente, os comércios no entorno de estações e pontos de ônibus.

Segundo o relatório “Transporte Público por Ônibus – 2 anos de Impactos da Pandemia de Covid-19”*, elaborado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), os sistemas organizados de transporte público por ônibus urbano, presentes em 2.901 municípios brasileiros, tiveram uma perda acumulada de R$ 25,7 bilhões, entre março de 2020 e fevereiro de 2022, devido à Covid-19. O impacto financeiro médio foi de R$ 1,12 bilhão por mês no período da pandemia, causado pela acelerada queda do número de passageiros e pela obrigatoriedade de manutenção e reestruturação, por parte das empresas, de uma oferta do serviço superior à demanda para garantir o distanciamento social no transporte público.

O prejuízo corresponde a 33,8% do faturamento mensal do setor em comparação ao registrado antes da pandemia. Além disso, o levantamento da NTU aponta que o impacto financeiro ocasionou consequências graves: em dois anos de pandemia, foram registrados 49 casos de interrupção dos serviços – 44 empresas e 5 consórcios que suspenderam suas atividades ou deixaram de operar – além de 16 casos de pedido de recuperação judicial, envolvendo 13 empresas e 3 consórcios.

De acordo com a Pesquisa Mobilidade Urbana 2022*, conduzida pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em parceria com o Sebrae, os brasileiros que residem nas capitais passam cerca de 2h do seu dia parados no trânsito enquanto tentam se deslocar para lugares como o trabalho, escola, faculdade ou fazer compras. Além desse deslocamento ser fundamental para a vida econômica das cidades, o tempo gasto no tráfego equivale a 21 dias/anos.

Por fim, a pesquisa também identificou que 43% da população afirma ter medo de usar o transporte público após a pandemia, o que intensificou ainda mais a escolha do uso de modos motorizados individuais nas grandes cidades e reduziu a utilização de modos mais sustentáveis, como o transporte coletivo de massa.

Varejo

A redução do fluxo de passageiros no transporte coletivo de massa impactou diretamente nas receitas do sistema como um todo. Uma dessas fontes de receitas afetadas foi o setor de varejo interno aos terminais, pois a sua demanda está diretamente atrelada ao fluxo de passageiros circulantes.

Além dos comércios internos aos terminais, há diversas atividades comerciais no entorno das estações que também dependem diretamente do fluxo de indivíduos circulantes nas estações. Como houve uma redução na afluência de passageiros no sistema de transporte, esses estabelecimentos comerciais também foram impactados economicamente.

O setor do varejo no Brasil no geral – segundo estudo realizado pela ABRASCE – apresentou queda de 90% do faturamento logo no início da pandemia em 2020, observando apenas o varejo de rua, a queda foi de 40% das vendas. Esse faturamento do varejo foi sendo retomado gradativamente, ainda a patamares inferiores ao observado em 2019.

Fonte: ABRASCE, 2022.

Gráfico: Variação das vendas no setor de varejo

Fonte: ABRASCE, 2022.

Novo normal

Outra informação presente no levantamento, elaborado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), é a retomada. Entre agosto de 2021 e fevereiro de 2022, houve recuperação da demanda (60% a 70%), impulsionada pelo avanço da vacinação e flexibilização das medidas de restrição da circulação de pessoas, com a oferta alcançando até 84% da programação operacional anterior à pandemia.

Além disso, é observada uma retomada das atividades presenciais em escritórios, escolas, espaços comerciais e de lazer nas cidades. Essa recuperação econômica, após a pandemia, será uma oportunidade para reorganizar os transportes públicos e tentar minimizar os impactos das mudanças nos centros econômicos das cidades.

Nos utilizando desses dados, perguntamos: será que a retomada das atividades presenciais está refletindo na recuperação do número de passageiros circulantes no entorno do transporte coletivo?

Avaliação

Para avaliar a retomada da utilização do transporte coletivo de massa foram selecionadas três cidades brasileiras que apresentam transporte sobre trilhos: São Paulo, Rio de Janeiro e Natal.

Para cada uma das cidades, foram coletados os dados históricos do fluxo de passageiros do transporte sobre trilhos, o recorte temporal variou com base na atualização dos dados disponibilizados.

SÃO PAULO (SP)

Em São Paulo foram avaliados os fluxos da Linha 1 Azul e a Linha 2 Vermelha do Metrô, com uma série histórica de outubro de 2017 a maio de 2022. O histórico é composto pelo fluxo diário médio das principais estações de cada uma das linhas – aquelas que possuem maior fluxo de passageiros.

Avaliando a série histórica, até 2019 o fluxo diário médio de passageiros nas duas linhas se manteve nos mesmos patamares, apresentando apenas as variações sazonais, reflexos principalmente das férias coletivas.

Entre fevereiro e abril de 2020, houve uma queda brusca da circulação de passageiros por conta da COVID-19. Na linha azul, entre fevereiro e abril de 2020, o fluxo reduziu mais de 80%. Na linha vermelha, por sua vez, o fluxo reduziu 77%.

Desde então, o fluxo de passageiros no sistema de transporte coletivo foi aumentando gradativamente. Porém, o fluxo total de todas as estações de maio de 2022, se encontra ainda em média 30% inferior ao observado no mesmo mês em 2019.

Fonte: Metrô-SP, 2022. Elaboração da autora, 2022.

Fonte: Metrô-SP, 2022. Elaboração da autora, 2022.

RIO DE JANEIRO (RJ)

No Rio de Janeiro foram avaliados os dados históricos da linha 1 e 2 do Metrô-Rio, o histórico compreende o período de outubro de 2017 até dezembro de 2021, dado que o município divulga apenas os dados anuais consolidados. Para a análise foram selecionadas as estações com maior fluxo de passageiros mensais.

Da mesma forma que o município de São Paulo, até 2019 o fluxo mensal de passageiros nas duas linhas continuou nos mesmos patamares. Porém, entre fevereiro e abril de 2020, o fluxo de passageiros caiu 85% na Linha 1 e 74% na Linha 2.

Desde então, o fluxo de passageiros no sistema de transporte coletivo foi aumentando gradativamente. Contudo, o fluxo total de todas as estações em dezembro de 2021 ainda se encontrava, em média, 40% inferior ao observado no mesmo período em 2019.

Fonte: Data Rio, 2022. Elaboração da autora, 2022.

Fonte: Data Rio, 2022. Elaboração da autora, 2022.

NATAL (RN)

Natal apresenta uma linha ferroviária (CBTU), que atende toda a região metropolitana. Foram disponibilizados os dados históricos de fluxo mensal de passageiros por estação de outubro de 2017 até março de 2022.

Analisando o histórico de passageiros, é possível perceber que o fluxo permaneceu inalterado até 2019, mas entre janeiro e março de 2020 o fluxo caiu em torno de 84%.

Desde então, o fluxo foi aumentando até outubro de 2020, atingindo uma média constante, porém ainda 45% inferiores ao observado em 2019.

Fonte: CBTU Natal, 2022. Elaboração da autora, 2022.

Conclusões

Apesar dos impactos observados no transporte coletivo, em São Paulo e no Rio de Janeiro são observadas retomadas do fluxo de passageiros, mas que ainda se mantém em média 30% inferior à 2019. Essa retomada mais gradual pode ser explicada pelo receio da população em utilizar o transporte coletivo pós pandemia, a tendência do modelo híbrido em parcela dos postos de trabalho, além do aumento do desemprego de parcela da população. Porém, espera-se que esse fluxo retome nos próximos anos em um cenário de melhoria da situação pandêmica e econômica enfrentada.

Nesse contexto, também é esperada uma melhora nas atividades comerciais tanto no interior quanto no exterior das estações, visto que o aumento do fluxo de pessoas influência o comércio.

Em Natal, por sua vez, o fluxo de passageiros teve uma leve retomada, mas permaneceu estagnado desde outubro do ano passado. Nesse caso, apenas a melhoria do cenário pandêmico não está refletindo no aumento do fluxo de passageiros, podendo estar relacionada a outros fatores, que possam retardar essa retomada. Por exemplo, o aumento sofrido no valor da passagem pode ser um dos motivos que levaram a menor taxa de retomada da utilização desse meio de transporte, em que as passagens passaram de R$ 0,50 em 2019 para R$ 2,50 em 2022.

Desde 2006 a Urban Systems realiza estudos de potencial de mercado para Receitas Comerciais (internas a terminais e estações) e Receitas Acessórias, para áreas adjacentes aos terminais, além de estudos de impacto de valorização (case Fortaleza). Quer identificar o potencial de mercado junto à centralidades de transporte? Conte com a Urban Systems para estudos de dimensionamento de demanda e potencial de mercado com menores riscos de desenvolvimento!

Conteúdo elaborado por Carollina Hitomi, Analista de Desenvolvimento Urbano da Urban Systems

*Fontes:

Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)

Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL)

ABRASCE

Compartilhe

Post a Comment